Normalmente criadas pelos geniais Renatinho da Silveira e Nildão, as capas de discos da banda Chiclete com Banana eram obras de arte; suas ilustrações lúdicas e inteligentes eram grande inspiração para mim quando ia decorar o Trio Elétrico do Chiclete naqueles anos 80. Mas essa capa do disco “Sementes”, ainda na era do vinil e das guitarras de Missinho, Jhonny e da percussão de Rubinho, foi uma exceção esdrúxula, quase cômica.
Nessa época, tinha uma relação próxima com Wadinho – tecladista, sócio do Chiclete e irmão de Bell. Era comum ele me apanhar de carro em casa para que fosse decorar seu trio elétrico no galpão que tinham na distante Cajazeiras 11, e, nessas “viagens”, o papo rolava solto: artistas, estratégias, marketing…
Um dia, com ares de urgência típica de quem tem um problemaço, Wadinho aparece trazendo na mão uma foto, tipo lambe-lambe, do grupo Chiclete com Banana – provavelmente tirada em algum daqueles estúdios que faziam fotos para carteira de identidade, família, etc – e me relatou seu drama: “Preciso de você, irmão: a gravadora pediu que enviasse a arte de uma capa para o novo disco ainda hoje.” Meio perplexo e sem entender, indaguei: e Nildão? “Está de férias na Europa”, disse Wadinho, e completou: “Bicho, preciso que você resolva isso para mim agora!”. Eu também tinha um enorme problemaço: no prédio onde morava, no antigo centro de Salvador, a tubulação do esgoto havia entupido na altura do 4º andar, e meu apartamento, que era no 5º, passou a receber todos os dejetos dos andares acima que, como num filme de terror, transbordavam pelos ralos e vasos. Literalmente, meu apartamento sofrera uma invasão merdiana. Como nessa época eu trabalhava em casa: mesa, tintas, pincéis, esquadros, réguas e toda a parafernália da era pré-digital estavam lá. Mas Wadinho nem quis saber: “Daremos um jeito, vamos nessa.” E lá fomos nós enfiados numas galochas de borracha participar daquela aventura.
Criar e finalizar uma capa numa tarde é difícil mesmo hoje com toda tecnologia. Imagine naquelas condições e com uma foto “meia boca” nas mãos. Antes da era digital, para obter qualidade, trabalhávamos com “cromos” e não fotos impressas em papel. Mas como não tinha outro jeito, sai recortando literalmente na tesoura, não só a foto, mas também umas imagens de sementes de um velho livro de ciências que achei em casa, além de papeis coloridos e os logos do Chiclete, gravadora, etc. Montei tudo com cola Tenaz sobre um cartolina que havia colorido com lápis de cera. O trabalho maior foi a marca do Chiclete que, fruto de uma xerox reduzida, tive que avivar com uma caneta nanquim. Tudo colado, tudo pronto, peguei uma cartela de LetraSet – quem lembra? – e transferi, letra por letra, o título “Sementes” e pensei: não acredito que estou fazendo isso. Na minha primeira oportunidade de fazer uma capa, fiz aquilo. E logo para quem, para o Chiclete, que tinha como referência capas maravilhosas da dupla Nildão e Renatinho. Tinha acabado de fazer uma capa “à facão”, no sentido mais fiel da expressão. Mas Wadinho achou tudo lindo e disse que não tinha mais tempo; era aquilo mesmo. Envelopamos e mandamos para a gravadora. Seja o que Deus quiser.
Caminho obrigatório para quem morava no Centro, passava todo dia pela Avenida Sete, onde as lojas “A Modinha” e “Akydiscos” costumavam ostentar as capas de disco em mostruários voltados para a rua. Um belo dia lá estava ela, olhando para mim; passei uns dois anos virando o rosto pro lado contrário das lojas afim de não ver aquilo. Mas ela continuava lá, insistente: é que independente de minha indignação, o álbum foi um grande sucesso.
Desde quando ainda era Banda Scorpius, no bloco Traz os Montes entre 1979 a 1981, a Banda Chiclete com Banana sempre me surpreendeu: primeiro por fugir ao estereótipo do “artistão”, do “maluco beleza” tão em voga naquela época pós hippie; pontuais e profissionais, não havia espaço para o acaso. E segundo porque sempre vi os caras pensarem o grupo com uma visão de estratégia empresarial e mercadológica, algo inexistente na época por essas bandas. Lembro de que quando eles saíram do bloco Traz os Montes e eu fui decorar, pela primeira vez, um trio do próprio Chiclete, todos eles participavam ativamente carregando caixas de som, envolvidos com a parte sonora, eletrônica, estrutura da carroceria, iluminação e, para meu alívio, até na pintura me deram uma mãozinha.
Independente dos que torcem o nariz para a banda, o Chiclete é um caso de sucesso raro: são mais de 30 anos no topo. Para um grupo musical, isso é incomum em qualquer lugar do mundo.
Típica do meio teatral, a expressão “merda pra vocês!” significa o desejo de que determinado evento redunde em grande sucesso. A expressão tem origem na Europa do século 19, quando as peças teatrais que alcançavam grandes públicos, por conta do intenso tráfego de carruagens e cavalos, enchiam de estrume a frente dos teatros.
O título dessa postagem também traduz o desejo de sucesso, em suas novas caminhadas, para esses eternos ícones – gostem ou não – do carnaval baiano: Bell, Wadinho, Wilson, Rey, Denny e Valtinho.
Valeu, caras!